Posso me casar, e agora?

22/06/2013 03:47

Sempre fui ativistas de muitas causas. Ainda quando criança, com o senso crítico aguçado, me indignava com a situação da educação pública. Eu era o tipo de aluno que fazia abaixo-assinados, organizava reuniões de classe, conversava com a direção da escola e que acreditava que exigir um ensino público de qualidade era um direito meu.

Hoje percebo que não consegui muitas mudanças, mas as poucas que obtive fizeram com que a minha estadia no ensino público, durante o ensino fundamental e médio, fosse mais proveitosa. Porém, ao entrar no ensino médio, com a inquietante vontade de conseguir um curso superior de qualidade, percebi que as milhas lutas não seriam suficientes para mudar todo um colégio. Assim, consegui uma bolsa de estudos em uma escola particular, onde o ensino era de qualidade e me dava o suporte necessário para alcançar a meta desejada.

Essa foi uma das minhas primeiras derrotas como ativista. Eu me vi obrigado a mudar de colégio caso almejasse uma educação adequada. Não digo que lutar pelo os meus direitos não tenha valido a pena. Eu somente lamento saber que independente do meu esforço e dedicação, a realidade da escola onde eu estudava não seria mudada a curto prazo.

A minha segunda derrota não foi uma derrota de uma guerra. Foram apenas algumas batalhas perdidas, no meio de uma série de sucessos. Desde os meus 16 anos eu sempre defendi o vegetarianismo. Felizmente eu não o faço desvairadamente, como muitos ativistas. Apenas o faço como alguém que se preocupa com o bem-estar animal, com o planeta e com a saúde das pessoas. Desta forma, ajudei a organizar diversas intervenções, nas quais conversávamos com  população e abríamos uma porta de acesso a novas informações. Da mesma forma, ajudei a promover vivências vegetarianas, através de encontros e almoços, onde explorávamos o paladar das pessoas na tentativa de mostrar que a alimentação vegetariana, além de saudável, pode ser extremamente saborosa.

Contudo, pouco a pouco, pude entender que, independente da informação apresentada, ou por mais sólido que fossem meus argumentos, algumas pessoas ainda continuariam a comer carne, a usar peles e, até mesmo, a explorar os animais. Aceitar a liberdade alheia, mesmo que ferindo a vida daqueles com os quais eu me importo, foi uma derrota para mim mesmo e uma quebra de paradigma. Depois disso me senti desestimulado, pois, assim como no meu problema anterior, independente do que eu fizesse, a curto prazo, a grande maioria das pessoas continuaria a comer carne.

A minha terceira causa, pela qual não lutei nas ruas, mas na minha própria vida e nas redes sociais, com meu antigo site, através do Facebook e de vídeos no YouTube, foi pelo o Casamento Igualitário. Diferente do vegetarianismo, o Casamento Igualitário era uma causa que me afetava diretamente, fazendo com que eu me sentisse um cidadão de segunda classe, ao ter um direito negado. Era uma sensação de impotência e de exclusão, perante uma sociedade que me negava como cidadão de direito. Contudo, desde que foi regulamentado pelo CNJ, ao contrário das minhas tantas outras, essa batalha foi conquistada.

Ao ver o compartilhamento de um link com a notícia na minha página do Facebook, fui tomado por uma mistura de choro, euforia e felicidade. Mesmo não tendo a intenção de me casar no momento, saber que o posso fazer quando assim decidir, assim como qualquer outro cidadão, é um sentimento de liberdade único, principalmente por tal direito estar carregado de uma história de muita luta, lágrimas e sangue.

Naquele momento eu imaginei todos os casais, que separados, ou unidos pela morte, passaram as suas vidas às margens dos seus direitos, assim como, de todos aquele que se manifestaram e se fizeram de alvo de humilhação na luta por igualdade. Sou grato a todos eles. Sou grato a todos os que já estavam lutando antes mesmo de eu nascer.

Assim, sabendo que este direito estava conquistado, passei alguns dias desnorteado, sem saber sobre o que escrever ou lutar. A minha felicidade foi tão grande que me cegou das outras diversas lutas que ainda existem.

Desta forma, parei para refletir um momento e pensei: “Eu posso me casar, mas e agora? O que eu faço? Por que causas eu luto?”.

Então, olhei em volta e vi milhares de causas gritantes, clamando por atenção. A primeira delas, ainda relacionada com o Casamento Igualitário é o fato do mesmo não estar aprovado por lei. Com a bagunça no atual cenário da política brasileira, causada por bancadas de intolerantes religiosos, ainda me vejo com um direito meio torto, daqueles que pode ser retirados a qualquer momento, ou na mais banal organização da bancada teocrática.

Nesta semana, por exemplo, o chamado projeto da “cura gay” estava circulando pela Comissão de Direitos Humanos, carregado pelas mãos do pastor Marco Feliciano. Caso seja aprovado, este projeto dará a liberdade para psicólogos e psiquiatras realizarem “pseudo-tratamentos” para a cura da homossexualidade, ainda que a Organização Mundial da Saúde tenha declarado, em 1990, que homossexualidade não é doença.

Contra o bom senso, o respeito ao próximo e à própria ciência, tal projeto pode ser aprovado apenas porque satisfaz o interesse de um grupo de manipuladores desonestos.

Todavia, independente de qualquer legislação, ainda vejo uma sociedade que, por mais que tenha evoluído, ainda continua dando as costas para os homossexuais, bissexuais e transgêneros. Como exemplo, eu conheço diversas pessoas que foram expulsas de casa, que perderam a assistência da família, que foram agredidas e humilhadas devido à orientação sexual.

Por estas razões, conheço muitos outros casos de pessoas que vivem no submundo da sociedade, se escondendo, escondendo seus parceiros, suas histórias e vidas. Como criminosos, muitos passam a vida sorrateiros, anônimos, com medo na solidão do armário.

A própria aceitação nas escolas, independente do seu nível, ainda é inexpressiva. Em algum segmentos mais conservadores, principalmente aqueles ligados às áreas de predominância masculina, como os cursos de exata, a liberdade de expressão é limitada, e a existência de homossexuais é motivo para agressões constantes.

Na televisão, principalmente nos programas de humor, os homossexuais ainda são tratados como pessoas inferiores. Nas entrevistas de emprego, transgêneros ainda são discriminados. Nas ruas, casais do mesmo sexo ainda não possuem a liberdade para demonstrar afeto.

E, pensando nestes problemas, que também são meus problemas, volto àquela indagação: “Posso me casar, mas, e agora? ” Bom, como resposta digo: Agora vá a luta. Continue lutando por seus direitos, por sua liberdade de expressão. Continue lutando para que as pessoas não sejam mais discriminadas e para que todos tenham o seu espaço na nossa sociedade.

Lute com todo o seu amor e toda a sua força, para que tenhamos um sociedade justa, onde o exercício do respeito  seja uma característica inerente ao indivíduo. Porém, lute sabendo que, por mais que tenhamos conquistado uma batalha, o combate continua –  ainda que consigamos garantir o Casamento Igualitário por lei – pois a mudança de pensamento de uma sociedade é algo que acontece à longo prazo.

 Autor: Lenon Mendes